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DIÁRIO DE ESTRADA: BITUCA'S TRIP Nº 3 - SÃO PAULO (SP) - MAIO 2010

Confira como foram os bastidores do show do Dia dos Trabalhadores na capital paulista.

Na manhã seguinte ao show com Gilberto Gil em Juiz de Fora (MG), toda equipe viajou ao Rio de Janeiro. Milton, de carro, foi direto para São Paulo, onde aconteceria um show comemorativo ao Dia do Trabalhador, no Memorial da América Latina. A apresentação seria gratuita, e o mais especial: era uma homenagem à Mercedes Sosa. E uma festa brasileira que inclui "La Negra", jamais poderia ser realizada sem a presença de Milton.

A história de amizade entre eles tem um capítulo curioso. O grande responsável pelo encontro entre Milton e Mercedes foi Vinicius de Moraes. O ano era 1976, na época, o mais recente trabalho de Milton - feito em parceria com Fernando Brant (roteiro) - tinha sido a trilha sonora de "Maria Maria", um dos espetáculos de maior sucesso do Grupo Corpo, dirigido pelos irmãos Paulo e Rodrigo Pederneiras.

Entre uma apresentação e outra da peça, Milton foi a um show de Mercedes Sosa no Rio de Janeiro. "Foi engraçado porque, a primeira vez que eu vi um show dela, eu estava junto com o Vinicius de Moraes. Eu a achei tão forte que eu fiquei com medo de falar com ela depois. Aí, na hora que acabou, o Vinicius: 'Vamos lá falar com ela'. E eu falei: 'Vinicius, eu estou indo embora pra casa'. Ele pegou na minha mão, igual pega na mão de criança, e falou: 'Você vai lá sim'. Aí me levou pra conhecê-la. Dois ou três dias depois nós estávamos no estúdio gravando" - declarou Bituca, num depoimento para o parceiro e jornalista Márcio Borges.

Depois disso, Milton e Mercedes ainda se encontraram em vários shows, gravações e projetos mundo afora. Um dos registros mais importantes foi o antológico "Corazón americano / El gran concierto", álbum de 1985 gravado ao vivo em Buenos Aires com a presença de Milton, Mercedes, Leon Gieco e Gustava Santaolalla. Diante de tantas histórias em comum, a festa do 1° de maio em São Paulo tinha tudo para ser emocionante.

Aeroporto de Congonhas, São Paulo - 14h35 - 30 de abril

A equipe que desembarcou na Terra da Garoa era formada por quinze pessoas. A novidade foi a participação do baixista Bruno Migliari, no lugar de Gastão Villeroy. Assim que chegamos ao hotel para fazer o check in, o produtor Carlos Moraes informou que a passagem de som estava marcada para as 18h. Era o tempo de tomar um banho, comer alguma coisa e seguir direto para o Memorial.

O hotel base da "Trupe Nascimento" ficava no bairro do Ibirapuera. Na primeira van que seguiu para iniciar a montagem no local do show estavam os técnicos de PA e Monitor - Ronaldo Lima e Marcos Gil -, o roadie Darck Fonseca, o produtor Carlão e eu.

Frio na Avenida São João. 17h50. O traço de Oscar Niemeyer foi o primeiro choque da Gig na chegada ao Memorial da América Latina. A construção, finalizada em 18 de março de 1989, teve o conceito e o projeto cultural desenvolvido pelo antropólogo Darcy Ribeiro. Com 84.480 m2 de área construída no bairro da Barra Funda, o Memorial é palco constante de manifestações artísticas latino-americanas. Um cenário mais do que perfeito para um concerto de Milton Nascimento em homenagem à Mercedes Sosa.

Formasom tática de jogo

Nas passagens de som para um show de Milton, a equipe geralmente se divide em duas. A turma que chega primeiro é a "redação" da Gazeta de Nagô, um sítio do MySpace criado em homenagem à Baster Barros, atual administrador da Nascimento Música. A chefia de reportagem da Gazeta é composta por Darck (roadie), Ronaldo Lima (técnico PA) e Marcos Gil (técnico Monitor). E assim que comecei a viajar com a "Trupe", minha esperança era ser admitido como repórter da Gazeta. Mas o balde de água fria nas minhas pretensões veio numa noite em Juiz de Fora, logo depois de uma festa de recepção a Milton e Gil, quando Marcos - o outro, e também baiano Gil - soltou a frase derradeira:

"Olha só Japa, você pode até ser o editor do site do Milton, mas na Gazeta de Nagô você não passa de estagiário".

E assim que a "redação" da Gazeta terminava de montar e checar o som, é a vez da segunda parte da Trupe Nascimento entrar em cena: Wilson Lopes (guitarra), Lincoln Cheib (bateria), Kiko Continentino (piano) e, esporadicamente no lugar de Gastão Villeroy, Bruno Migliari (contrabaixo). A batuta geral da equipe quando está "on the road" fica sempre sob o comando do empresário Paulo Lafayette e do produtor Carlão Moraes.

A passagem de som no Memorial correu normalmente. Às 21h já estavam todos no hotel. Milton, após quase sete horas na estrada, chegou a São Paulo por volta das 19h. Antes de descer ao centro para uma ronda na Rua Augusta, Darck e eu fomos até o quarto 1008 para conversar um pouco com Milton. Como sempre, o quarto de Bituca estava cheio de gente, estavam por lá o ator Diego Tresca, o músico Pedrinho do Cavaco e o guitarrista Wilson Lopes acompanhado da esposa. Depois, apareceu também o pianista Ademir Fox.

Sábado, 1 de maio de 2010, 09h

O primeiro compromisso da manhã foi com o baterista Lincoln Cheib. Após o café, nos encontramos para revisar o roteiro do teleprompter que seria usado no show. Lincoln repassou cada uma das 14 músicas do repertório durante pouco mais de uma hora. Depois, subimos com o computador para o quarto de Milton, onde Wilson Lopes nos aguardava com o violão em ponto de bala. Liguei o TP numa mesa enquanto Lincoln fez novamente a conferência, com Bituca cantando algumas músicas e Wilson ao violão.

Visto da janela, o obelisco do Ibirapuera era o pano de fundo para a cena que viria a seguir. Um dos momentos especiais para esta apresentação em homenagem à Mercedes Sosa seria com "Volver a los 17", o quarto inteiro sentiu isso quando Bituca ensaiou a música duas vezes. O violão fabuloso de Wilsinho - e a interpretação de Milton para a canção de Violeta Parra - num sábado de manhã, primeiro de maio, com o Parque do Ibirapuera escancarado na janela, era surreal demais. Esta não era a primeira vez que este mesmo Ibirapuera servia de cenário para a música de Milton. Numa das vezes, em 1975, Milton tinha acabado de lançar um de seus maiores êxitos de venda: o disco Minas, recheado de sucessos como Paula e Bebeto, Fé Cega Faca Amolada, Saudades dos aviões da Panair e Ponta de Areia. E foi justamente o Ibirapuera que servira de palco para o lançamento oficial deste disco, em 12 de outubro de 1975. Agora, quase 35 anos depois, novamente o Ibirapuera no caminho de Bituca. ?

Concentração, agentes, check out, encontros, movimento

Segundo o itinerário, teríamos pouco mais de uma hora para o almoço. Às 14h, as vans tinham que sair do hotel com todos a bordo rumo ao Memorial. Como era feriado, o trânsito entre o Ibirapuera e a Barra Funda estava irreconhecivelmente tranquilo. Logo na chegada, dava pra perceber que o clima estava mais movimentado do que o normal para um show. Policiais à paisana com ponto eletrônico no ouvido faziam varreduras em todo o lugar. Mas o clima tinha uma justificativa. Após quase oito anos de governo, pela primeira vez o presidente Lula estaria presente a um ato público de Primeiro de Maio em São Paulo.

E ao contrário do clima "policial" dos bastidores, no camarim de Milton as coisas estavam tranquilas. A surpresa que mais chamou a atenção de todos - fora a presença do presidente Lula e de uma dezena de políticos/celebridades - foi a do filho de Mercedes Sosa. Aparentando ter pouco mais de quarenta anos, Fabián Matus tem os mesmos traços da mãe, sempre sorri para todos que o cumprimentam e, assim como Mercedes, tem uma presença marcante. No camarim de Bituca, ele entrou acompanhado do filho ainda adolescente. O papo entre eles correu num clima bastante fraternal, e só terminou quando Milton recebeu o aviso de que entraria no palco em vinte minutos.

A abertura da festa do Dia dos Trabalhadores aconteceu com o cubano Ferrer, que estava acompanhado de sua banda, uma herdeira do primeiro escalão dos gigantes do Bueno Vista Social Club. Em seguida, foi a vez do grupo Raízes de América, que prestou uma homenagem a vários artistas latino-americanos.

A invenção de Niemeyer, na mão aberta com o mapa da América Latina esculpida em vermelho, rebatia o sol forte que cobria os cinco mil presentes no Memorial. O céu azul, sem nuvens, nem de longe lembrava a São Paulo esquecida pelos governantes em dias de tempestade. Milton estava pronto para cantar. Eram 16h. Ao seu lado esquerdo do palco estavam o filho e o neto de Mercedes Sosa. Milton começa dar o tom da festa. Durante o show, Milton desfilou seus maiores clássicos, Lília, Para Lennon e McCartney, Caxangá e Certas Canções. E quando já estavam todos na mesma onda, Bituca desfere o ato: Volver a Los 17, com a pegada sublime de Kiko, Lincoln, Wilson e Bruno.
O público, que já estava vibrando com Caçador de Mim, vibrou ainda mais quando Milton emendou na introdução de Canção de América. Sim, Mercedes estava presente: na voz de Milton. Talvez este tenha sido o primeiro de maio paulistano mais latino-americano em toda sua história.
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Pós-tudo

Antes de voltar pro camarim, depois do show, Milton saiu para conversar com Lula.

"Da última vez em que a gente se encontrou em Brasília, foi ele quem me visitou no camarim. Então agora é minha vez de ir lá falar com ele" - disse Bituca.

A visão de Milton sendo recebido calorosamente pelo Presidente da República era fruto de uma virada tão espetacular que, em outros tempos, pouca gente acreditava que ela um dia pudesse acontecer. Entre 1965 e 1967, antes do Festival da Canção que o tornou conhecido em todo Brasil, Milton morou em São Paulo. E até hoje ele costuma dizer que o tempo que passou lá "foram vinte anos de sofrimento em dois". Disse que chegou a "passar uma semana sem comer porque não tinha emprego. Pois para cada cinquenta músicos tinha uma vaga". Fiquei pensando em toda essa reviravolta na vida de Milton enquanto assistia ao enorme assédio do público que pedia autógrafo a ele após o encontro com o Presidente. E concluo com suas próprias palavras: "o importante não é a saída, nem a chegada, mas a travessia". Mercedes ficou feliz, com certeza.

Danilo "Japa" Nuha
Assessoria de Imprensa
Nascimento Música
danilo@miltonnascimento.com.br

(Colaborou o jornalista Bruno Tasso, editor do Jornal Humanidade)